Em agosto de 2021 foi publicada a Resolução CFF nº. 711/2021, que dispõe sobre o novo Código de Ética Farmacêutica e estabelece as infrações e as regras de aplicação das sanções disciplinares.
Em matérias publicadas nas redes sociais, os Conselhos Regionais de Farmácia alardearam que o novo Código de Ética Farmacêutica seria mais justo por analisar a culpabilidade de cada parte envolvida no processo, tornando o processo ético mais humano.
Contudo, analisamos o documento oficial e temos a dizer que o resultado não correspondeu às expectativas, ao menos de boa parte dos profissionais.
O novo Código de Ética Farmacêutica não é assim tão “novo”, mantendo boa parte do que podemos chamar de ranço que permeia os órgãos de classe no Brasil, o de legislar e regular para depois regular e legislar ainda mais.
O novo Código de Ética Farmacêutica vai no contrafluxo das tendências mundiais e governamentais de desregulamentação e simplificação dos procedimentos administrativos, incluindo os Conselhos de profissões regulamentadas.
Passemos à análise de alguns pontos que destacamos de suma importância, quer positivos ou negativos
Código de ética farmacêutica
Um dos pontos positivos foi a inclusão das seguintes questões recorrentes:
– prescrição de medicamentos por parte dos farmacêuticos;
– estabelecimento de honorários para prestação de assistência farmacêutica e;
– utilização de redes sociais para divulgação de trabalho.
Estes assuntos, antes regulados em resoluções esparsas, agora integram o novo Código de Ética Farmacêutica, podendo o profissional de farmácia:
– “realizar, com base nas necessidades de saúde do paciente e em conformidade com as políticas de saúde vigentes, a prescrição de medicamentos e outros produtos com finalidade terapêutica, cuja dispensação não exija prescrição médica, incluindo medicamentos industrializados e preparações magistrais e oficinais (alopáticos ou homeopáticos), fitoterápicos, plantas medicinais, drogas vegetais e outras categorias ou relações de medicamentos que venham a ser aprovadas pelo órgão sanitário federal para prescrição do farmacêutico, desde que devidamente documentada, visando à promoção, proteção e recuperação da saúde, e à prevenção de doenças e de outros problemas de saúde”;
– “prescrever medicamentos de acordo com protocolos aprovados para uso no âmbito de instituições de saúde ou quando da formalização de acordos de colaboração com outros prescritores ou instituições de saúde, desde que atendidas as normativas vigentes”;
– “estabelecer e perceber honorários para os serviços prestados, de forma justa e digna” e
– “utilizar as mídias sociais na divulgação de informações cientificas, baseadas em evidências, nos limites legais e regulamentares, que esclareçam a população sobre o uso racional de medicamentos e abordem temas que promovam a saúde e a segurança do paciente, sem cunho promocional.”
Em relação aos deveres do profissional de farmácia, em nossa opinião houve um aumento de responsabilidades (quer pela inclusão de novas obrigações ou de obrigações que já existiam mas estavam reguladas em outros dispositivos legais) onde destacamos as seguintes:
– “participar, promover e registrar as atividades de treinamento operacional e educação continuada, bem como definir manuais de boas práticas, procedimentos operacionais padrões e seus aperfeiçoamentos, zelando pelos seus cumprimentos, estando estes acessíveis a todos os funcionários envolvidos nas atividades e aos órgãos de fiscalização”; (em nossa opinião, as atividades de registro de treinamentos e de educação continuada nas farmácias deveria ser atribuição da empresa e não RT)
– “notificar aos profissionais da saúde e aos órgãos sanitários competentes, bem como ao laboratório industrial ou a farmácia com manipulação envolvido, qualquer eventos adversos, tal como efeito adverso, falha terapêutica, interação, incompatibilidade, clinicamente relevante, que se suspeita estar associado a um tratamento farmacológico”; (a notificação obrigatória de eventos adversos com medicamentos ou equipamentos passa a ser obrigação do RT)
– “elaborar por escrito, e de forma organizada, o Manual de Boas Práticas Farmacêuticas, bem como os Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) que contemplem todas as atividades executadas, mantendo-os atualizados e disponíveis a todos os funcionários envolvidos nas atividades”; (antes prevista em resolução esparsa e em Lei Federal, a obrigação, ainda mais rígida, passa a fazer parte do novo Código de Ética Farmacêutica)
– “comunicar formalmente ao CRF, em até 5 (cinco) dias úteis, o encerramento de seu vínculo profissional de qualquer natureza, independentemente de retenção de documentos pelo empregador”; (antes a comunicação neste prazo era apenas para doenças e afastamentos urgentes)
– “Notificar, no que couber em seu âmbito de atuação profissional, aos órgãos de saúde, vigilância epidemiológica ou outros, quando da detecção de agravo decorrente de doenças de notificação compulsória, seja por meio de exames laboratoriais, testes rápidos ou em rastreamento em saúde”; (a notificação obrigatória de doenças passa a ser obrigação do RT).
O art. 17 traz dezenas de condutas vedadas, muitas delas caracterizadas como crimes.
Mas o que chama atenção é a expressão:
“ou permitir que tais práticas sejam realizadas”.
O desacerto jurídico dessa expressão faz com que, num primeiro momento, o farmacêutico possa ser responsabilizado por atos de terceiros.
Entendemos que deveria ter sido melhor explicado o que significa efetivamente “permitir que tais práticas sejam realizadas”, pois do contrário o RT estará em grande risco, podendo ser responsabilizado injustamente por condutas de todos os colaboradores do estabelecimento.
Outro ponto que nos chamou atenção foi a seguinte disposição:
“praticar ato profissional que cause dano material, físico, moral ou psicológico e/ou que possa ser caracterizado como imperícia, negligência ou imprudência”.
Juridicamente falando, imperícia, negligência ou imprudência são as três modalidades de culpa subjetiva (onde não há intenção de causar dano). O dispositivo, pasmem, veda uma conduta não intencional, o que é, a nosso ver, totalmente desnecessário, pois o que deve ser vedado é o ato em si e não o elemento volitivo que levou a um resultado que não era esperado.
Continuando, outro ponto que não foi perfeitamente explicado é o seguinte:
“dificultar a ação fiscalizadora ou desacatar as autoridades sanitárias ou profissionais, quando no exercício das suas funções”.
O Código não definiu o que seria efetivamente “dificultar a ação fiscalizadora” ou “desacatar as autoridades sanitárias ou profissionais”.
A falta de definição desses termos abre margem para que fiscais eventualmente imbuídos de intenções escusas prejudiquem as farmácias e os próprios farmacêuticos, inventando ou maquiando condutas que não ocorreram ou que ocorreram de maneira diferente do narrado em eventual auto de infração.
Outro dispositivo que merece especial atenção é o seguinte:
“exercer atividade no âmbito da profissão farmacêutica em interação com outros profissionais, concedendo vantagem de qualquer natureza aos demais profissionais habilitados para o direcionamento de usuário, ferindo o direito deste de escolher livremente o serviço e o profissional”.
O dispositivo vai na contramão do mercado farmacêutico, dado que é extremamente comum e salutar firmar convênios, parcerias e outras formas de troca de experiências, clientes e vantagens. As profissões que vedam esse tipo de indicação são poucas (geralmente médicos e profissionais de saúde). Contudo, da forma como foi regulada a questão, o profissional de farmácia fica até mesmo impedido de divulgar seu trabalho em qualquer estabelecimento, o que é um retrocesso prejudicial não só às farmácias, mas aos próprios consumidores.
As infrações e prazos de prescrição permanecem os mesmos:
– advertência, com ou sem o uso da palavra “censura”, sem publicidade, mas com registro no prontuário;
– multa no valor de 1 (um) salário mínimo a 3 (três) salários mínimos regionais, que será elevada ao dobro em caso de reincidência;
– suspensão de 3 (três) meses a 1 (um) ano;
– eliminação.
Prescreve em 24 (vinte e quatro) meses a constatação fiscal de ausência do farmacêutico no(s) estabelecimento(s), por meio de auto de infração ou termo de visita, para efeito de instauração de processo ético.
As farmácias e farmacêuticos devem dedicar especial atenção às intimações dos processos éticos e de infração, uma vez que passa a ser possível a comunicação dos atos processuais por meio eletrônico (e-mail e outros).
Assim, devem as farmácias e profissionais manterem seus endereços de e-mail e telefones que constam dos cadastros do CRF devidamente atualizados, consultando os mesmos diariamente a fim de evitar prejuízos com perdas de prazos de defesa e audiências.
O direito de contratar um advogado passa a constar expressamente no Código.
De maneira ilegal, o CFF incluiu um dispositivo nos seguintes termos:
“a Sessão de Depoimento poderá ser gravada em áudio, exclusivamente, pelo CRF, sendo as gravações anexadas ao processo”.
Tal dispositivo É ABSOLUTAMENTE INCONSTITUCIONAL!!! Recomendamos a todos os profissionais que assim o quiserem, que gravem as audiências.
Uma disposição bem vinda é que o novo Código de Ética Farmacêutica abre a possibilidade de, no prazo de 1 (um) ano, a contar do trânsito em julgado da decisão, requerer revisão do processo ao CRF, com base em fato novo ou na hipótese de a decisão condenatória ter sido fundada em depoimento, exame pericial ou documento cuja falsidade vier a ser comprovada.
Outro cuidado que deve ser tomado é com as intimações feitas mediante serviço postal, já que agora:
“presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço nos cadastros do conselho regional fornecido pelo indiciado, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao CRF, nos termos do artigo 20 da seção I, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço”.
Nos condomínios, edifícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega da intimação ou notificação a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência.
Portanto, os profissionais de farmácia e proprietários devem orientar seus empregados, prepostos, porteiros e outros sobre a importância de repassar as correspondências ao responsável imediatamente após o recebimento.
Para abertura de processo ético-disciplinar com fundamento na ausência do profissional no(s) estabelecimento(s) em que presta assistência técnica serão necessárias, no mínimo, 3 (três) constatações fiscais, no período de 24 (vinte e quatro) meses.
Outra bem vinda modificação é a seguinte:
“É assegurada a revisão das decisões a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, desde que surjam fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada, observado o parágrafo único do artigo 65 da Lei Federal nº 9.784/99”.
Trocando em miúdos, caso haja fatos posteriores que denotem que a pena aplicada foi ou se tornou exagerada, pode ser requerida sua revisão, mesmo após o trânsito em julgado.
Também acertou o CFF quando incluiu circunstâncias excludentes de ilicitude, como a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito consistem em causas excludentes da ilicitude, a coação moral irresistível e a obediência hierárquica.
Um dos grandes problemas vividos pelos RT’s era justamente a obrigação de cumprimento de ordens, que vez ou outra desembocavam em atos puníveis.
Agora, caso o RT comprove que cometeu a infração por ordem superior, teoricamente está livre de punição.
Dentre as circunstâncias atenuantes, ou seja, causas de diminuição da penalidade aplicada, foram incluídas as seguintes hipóteses, além das já previstas:
– caracterização de caso fortuito ou força maior;
– o profissional nunca ter sofrido qualquer penalidade ao longo de seu histórico profissional;
– o infrator ter, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após a infração, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do processo ético-disciplinar, reparado o dano.
Dentre as circunstâncias agravantes, ou seja, causas de aumento de penalidade aplicada, foram incluídas as seguintes hipóteses, além das já previstas:
– a comprovação de dano material, psicológico, físico ou moral a terceiros;
– a obtenção de vantagem pecuniária ou outra vantagem indevida pelo infrator;
– a infração ter sido realizada no exercício de cargo eletivo de órgão representativo da categoria farmacêutica; a infração cometida contra criança, gestante, incapaz ou pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos;
– quando o profissional é também sócio ou proprietário;
– suborno ou coação a terceiro para execução da infração.
Vejamos que o CFF utiliza a condição de proprietário para agravar a pena aplicada, o que a nosso ver, além de ilegal é discriminatória.
Por fim, lamentavelmente, o CFF conceitua como faltas “graves” condutas avaliadas pelo resultado e não pelo ato em si, como podemos ver a seguir:
“Será considerado falta grave:
I – quando a conduta resultar em lesão corporal ou óbito;
II – quando da ocorrência de dano coletivo e/ou ambiental, ainda que de forma culposa;
III – quando houver constrangimento de terceiro;
IV – quando o fato corresponder a ilícito penal;
V – quando a ação extrapolar sua habilitação legal;
VI – quando envolver substâncias ou medicamentos potencialmente perigosos, descritos em manuais, guias ou publicações;
VII – quando em processos distintos, com trânsito em julgado e no período de 5 (cinco) anos, o profissional tiver cometido por mais de 2 (duas) vezes a mesma infração ou 5 (cinco) infrações distintas;
VIII – impedir a ação da fiscalização.
Concluindo a análise, não é difícil perceber que as mudanças realmente benéficas ao profissional de farmácia foram extremamente tímidas, enquanto as medidas que punem o farmacêutico ou dificultam a plena atuação profissional foram aumentadas ainda mais.
Sucesso!
Assista nosso vídeo sobre o assunto:
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