O objetivo principal deste artigo é discorrer sobre como a RDC ANVISA nº. 301/2019 pode impactar o comércio varejista de medicamentos.
Em agosto de 2019, a ANVISA emitiu a RDC nº. 301, que dispõe sobre as diretrizes gerais de boas práticas de fabricação de medicamentos.
A RDC 301/2019 aumenta consideravelmente o rigor na gestão de qualidade na fabricação de medicamentos.
Em tese, o principal objetivo seria fazer com que os fabricantes nacionais consigam penetração em outros mercados mais facilmente, aumentando exportações e se tornando mais competitivos.
A RDC 301/2019 é a principal norma reguladora da qualidade na fabricação de fármacos, englobando definições de produção, qualidade, documentação, treinamento, embalagem, instalações mínimas, armazenamento, dentre outros.
A priori, a resolução se aplicaria a toda empresa que realiza operações de fabricação de medicamentos, incluindo os experimentais.
RDC 301
Quando estamos tratando de fabricação de medicamentos, algumas dúvidas surgem no que tange à validade ou aplicação da RDC 301/2019 em relação a drogarias e farmácias de manipulação.
Em relação às drogarias, entendidas como estabelecimentos farmacêuticos destinados à venda de fármacos em suas embalagens originais, sem manipulação de fórmulas, entendemos que referida RDC não se aplica, ao menos de forma direta, já que, por óbvio, não há manipulação ou fabricação de medicamentos neste tipo de estabelecimento.
As dúvidas surgem quando o estabelecimento farmacêutico é uma farmácia magistral ou de manipulação.
Ao passo que a RDC não deixa claro se suas disposições se aplicariam às farmácias de manipulação, ela define “fabricação” como “toda operação envolvida no preparo de determinado medicamento, incluindo a aquisição de materiais, produção, controle de qualidade, liberação, armazenamento, expedição de produtos acabados e os controles relacionados.”
Uma análise superficial leva a entender que as disposições da RDC são plenamente aplicáveis às farmácias magistrais.
Contudo, as farmácias de manipulação já são reguladas pela RDC ANVISA nº. 67/2007, que dispõe sobre boas práticas de manipulação de preparações magistrais e oficinais para uso humano em farmácias.
Outrossim, dentre as RDC’s expressamente revogadas pela RDC 301, não está a RDC 67/2007.
De acordo com o Decreto-Lei nº. 4657/1942, que é a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro:
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
1oA lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
2oA lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
Analisando a RDC 301, podemos perceber claramente que não se trata de norma temporária, que ela não revogou expressamente a RDC 67, que não é incompatível com a RDC 67.
A principal dúvida surge em determinar se a RDC 301 regulou integralmente a matéria da RDC 67.
Em nosso entendimento, como a RDC 301 não revogou, ao menos expressamente, a RDC 67, suas disposições continuam em vigor, obviamente, naquilo que não contrariar a RDC 301.
Desse modo, as disposições da RDC 301 não se sobrepõem àquelas da RDC 67, mas apenas à completam ou revogam tacitamente alguns artigos.
Enfim, essas dúvidas deverão ser sanadas pela própria ANVISA ao longo do tempo, através de Instruções Normativas ou pelo Poder Judiciário, em processos e mandados de segurança.
Como explicamos anteriormente, drogarias são estabelecimentos farmacêuticos destinados à venda de fármacos em suas embalagens originais, sem manipulação de fórmulas.
Apesar de não atingir diretamente as drogarias, a RDC 301 determina a adoção de diversos procedimentos obrigatórios pelos fabricantes, tais como:
– Mecanismos de garantia de qualidade na distribuição e manuseio durante toda a vida útil dos fármacos;
– Registros que permitam o rastreamento dos lotes desde a compra da matéria-prima até a dispensação;
– Sistema para recolhimento de fármacos, inclusive em comercialização;
– Revisão de todas as devoluções, reclamações e recolhimentos relacionados à qualidade do produto;
– Monitoramento da estabilidade do medicamento, mesmo após a comercialização;
– Sistema de reclamações para desvios de qualidade com possibilidade de recolhimento dos produtos e identificação da raiz dos problemas;
– Comunicação às autoridades sanitárias dos casos de recolhimento e identificação da raiz dos problemas.
Como podemos ver, a RDC 301 determina a criação de todo um sistema de controle de qualidade, desde a aquisição da matéria-prima até a dispensação. Mas como isso afeta as drogarias?
Com o rastreamento dos lotes, tanto a indústria quanto as farmácias e, ainda, as autoridades sanitárias, poderão proceder investigações mais detalhadas em casos de agravos de saúde provocados por medicamentos.
Por conta da obrigatoriedade de investigação e identificação da raiz dos problemas eventualmente encontrados, as drogarias poderão ser compelidas a comprovar em que condições os fármacos foram adquiridos, armazenados e dispensados, podendo ser eventualmente responsabilizadas por quaisquer danos causados a pacientes.
Exemplificando, imaginemos uma situação onde um determinado cliente teve um agravo de saúde onde há suspeita de que possa ter sido causado pela ingestão de um fármaco.
Havendo o recolhimento do produto e a investigação comprovar que o agravo de saúde foi causado, por exemplo, por deficiência ou armazenamento incorreto no ponto de venda, ou seja, na drogaria, esta poderá ser responsabilizada e condenada a indenizar os danos, que do cliente, quer da distribuidora e quer da indústria, caso esses últimos incorram em quaisquer despesas por conta do ocorrido.
De maneira resumida, o controle sanitário e a identificação do causador dos agravos de saúde ficam mais rígidos e precisos.
Certamente, ao longo do tempo, tanto a indústria quanto as distribuidoras desenvolverão sistemas de recolhimento de fármacos. E esses sistemas deverão envolver procedimentos por conta das drogarias, tais como termos de compromissos, implantação desses sistemas no estabelecimento, dentre outros.
Por fim, tudo o que dissemos em relação às drogarias, aplica-se às farmácias de manipulação.
Sucesso!
Assista nosso vídeo sobre o assunto: