Em 13 de novembro de 2023, o Ministério do Trabalho e Emprego publicou a Portaria MTE nº. 3665/2023, que Altera a Portaria/MTP nº. 671, de 8 de novembro de 2021, que permitia o trabalho em domingos e feriados sem interferência dos Sindicatos laborais.
Em que pese a total falta de bom senso da medida, que vai certamente gerar mais desemprego, nos limitaremos a analisar os aspectos jurídicos.
Entendemos que a revogação da permissão para laborar em domingos e feriados não afeta e não se aplica ao comércio e serviços tidos como essenciais. Isso porque a legislação confere tratamento diferenciado daquele dado ao comércio geral em relação àquelas atividades que que são essenciais.
TRABALHO EM FERIADOS E OS SERVIÇOS ESSENCIAIS
O antigo Decreto nº. 27.048/49, que regulamentava a Lei nº. 605/49, tinha a seguinte redação:
Artigo 7º É concedida, em caráter permanente e de acordo com o disposto no §1º do artigo 6º, permissão para o trabalho nos dias de repouso a que se refere o artigo 1º, nas atividades constantes da relação anexa ao presente regulamento”.
Analisando a relação anexa citada pelo artigo 7º, encontrava-se a expressamente incluído o comércio varejista de medicamentos.
Referido Decreto foi revogado pelo Decreto nº. 10.854/2021, cujo texto prevê o seguinte:
Art. 154. Comprovado o cumprimento das exigências técnicas, nos termos do disposto no art. 1º da Lei nº 605, de 1949, será admitido o trabalho nos dias de repouso, garantida a remuneração correspondente.
“1º Para fins do disposto neste Capítulo, constituem exigências técnicas aquelas que, em razão do interesse público ou das condições peculiares às atividades da empresa ou ao local onde estas atuem, tornem indispensável a continuidade do trabalho, em todos ou alguns de seus serviços.”
Assim, tem-se que a legislação concede, em caráter permanente, permissão para o trabalho em feriados nos comércios que sejam essenciais.
Portanto, resta claro que não há de se falar em proibição do trabalho nas clínicas, farmácias, drogarias, supermercados e outros tidos como essenciais em domingos e feriados em razão de ausência de norma coletiva que o regulamente, uma vez que a legislação já concedeu, em caráter permanente, permissão para o trabalho nestas condições.
Ademais, uma mera portaria do MTE não poder revogar uma norma de hierarquia superior como é um decreto ou uma lei.
A questão também foi regulada durante a Pandemia de Coronavírus que, por impor restrições e até impedimento ao funcionamento de diversas atividades econômicas, obrigou o legislador a conceituar o que são atividades essenciais, uma vez que essas não podem ter suas atividades restritas, muito menos impedidas.
Restou definido que “são serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.
E assim, em um rol exemplificativo, incluiu como atividades essenciais a produção, distribuição, comercialização e entrega, realizadas presencialmente ou por meio do comércio eletrônico, de produtos de saúde, higiene, limpeza, alimentos, bebidas e materiais de construção”.
Ora, tendo por finalidade a comercialização de produtos de saúde, higiene, limpeza, alimentos e bebidas, as farmácias, drogarias, drugstore e os supermercados são, indiscutivelmente, atividades essenciais.
Não se pode ignorar uma conceituação normativa sobre o caráter essencial da atividade de clínicas, farmácias e supermercados, sendo que limitar o acesso da população a itens de saúde, alimentação, higiene e limpeza pode ter graves consequências à saúde, por limitar o acesso a tais produtos em dias feriados.
Não bastasse, há ainda a Lei de Liberdade Econômica, Lei nº. 13.874/2019, que em seu art. 3º prevê que:
Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:
[…]
II – desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados, sem que para isso esteja sujeita a cobranças ou encargos adicionais, observadas:
[…]
Quando a norma citada menciona que deve ser respeitada a “legislação trabalhista” o sentido deve ser entendido como respeito aos direitos trabalhistas, tais como jornada de trabalho, horas extras e outros e não naquilo que se refere a abertura do comércio.
E como se não fosse suficiente, embora as farmácias, a exemplo de outros segmentos, apresentem o comércio dentro de suas atividades cotidianas, é importante esclarecer que estes estabelecimentos têm especificidades que devem observância e que o distinguem do comércio em geral.
A Lei Federal nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e dá outras providências, define em seu art. 56 que tais estabelecimentos devem manter o atendimento ininterrupto à comunidade.
Trata-se de lei especial, que regula a matéria de forma específica, afastando a incidência do disposto pela Lei Federal nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, que permite o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal.
É notória a ausência na Lei nº 10.101/08, de cláusula expressa de revogação das disposições da Lei nº 5.991/73 sobre o funcionamento, o que leva a concluir que o legislador não teve a intenção de abolir a condição especial de abertura de farmácias.
Na verdade, é despropositada a impossibilidade do funcionamento das farmácias nos feriados ou ainda querer condicionar o exercício da atividade mediante autorização em convenção coletiva de trabalho.
Tal entendimento desconsideraria a essencialidade da atividade exercida por estes estabelecimentos, diretamente ligada à preservação da vida e da saúde, razão pela deve ser fomentada pelo Estado – e não restringida ou limitada.
As farmácias, conforme definido na Lei n. 13.021, de 8 de agosto de 2014, são unidades de prestação de serviços de assistência à saúde, devendo ser entendida como um posto avançado de atenção primária à saúde.
Assim, como parte do sistema de saúde, as farmácias desempenham um papel importante na dispensação e fornecimento de medicamentos, administração de medicamentos, incluindo as vacinas e serviços de saúde ao público, de modo que é imprescindível garantir o exercício contínuo destas atividades.
Por consequência lógica o papel social atual das farmácias e dos farmacêuticos não pode ser equiparado com os realizados pelos demais comércios, não sendo razoável, portanto, a sua equiparação a fim de justificar a restrição quanto ao seu pleno funcionamento.
Manter essa restrição é incompatível com um Estado Democrático de Direito, que traz como um de seus fundamentos ‘os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa’ (art. 1º, IV, da CF/88) e como princípios gerais da atividade econômica ‘a livre concorrência’ e a ‘defesa do consumidor’ (art. 170, IV e V, da CF/88).
Sucesso!
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